FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 38.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004
A Pedagogia de uma perspectiva do Oprimido
Paulo
Reglus Neves Freire (1922-1997) ou somente Paulo Freire, como é
popularmente conhecido, se inscreve entre aqueles educadores empenhados
na luta em defesa de uma educação humanizadora. Figura emblemática no
cenário educacional brasileiro, Paulo Freire transmite à posterioridade
uma produção intelectual relevante, cuja obra Pedagogia do Oprimido, composta de 184 páginas, publicada pela primeira vez em 1967 e atualmente em sua 38ª edição, é uma mostra disso.
No livro em questão, Paulo Freire tece
uma interessante discussão sobre a pedagogia de uma perspectiva do
oprimido. Ressalta que a luta pela libertação do homem, o qual é,
semelhantemente à realidade histórica, um ser inconcluso, se dá num
processo de crença e reconhecimento do oprimido em relação a si mesmo,
enquanto homem de vocação para “ser mais”. Preconiza um trabalho
educativo que respeite o diálogo e a união indissociável entre ação e
reflexão, isto é, que privilegie a práxis. Um trabalho que não se funde
no ativismo (ação sem reflexão) ou na sloganização (reflexão sem ação) e
que não se funde numa concepção de homem como “ser vazio”.
Em correspondência a essa concepção de
homem como “ser vazio” e, por isso, dependente de “depósitos” de
conhecimento, está, segundo Paulo Freire, a pedagogia de perspectiva
opressora, denominada de “educação bancária”. Pautada numa comunicação
verticalizada, contrária ao diálogo, serve como instrumento de
desumanização e domestificação do oprimido, o qual na sua relação com o
opressor hospeda-o em sua consciência. Ao se referir à teoria
antidialógica, o autor ressalta que a referida teoria tanto traz a marca
da opressão, da invasão cultural camuflada, da falsa “ad-miração” do
mundo, como lança mão de mitos para manter o status quo e manter a desunião dos oprimidos, os quais divididos ficam enfraquecidos e tornam-se facilmente dirigidos e manipulados.
É em contraposição a pedagogia opressora
que Paulo Freire reforça a imprescindibilidade de uma educação
realmente dialógica, problematizadora e marcadamente reflexiva,
combinações indispensáveis para o desvelamento da realidade e sua
apreensão consciente pelo educando. Ademais, “[...] a educação
problematizadora coloca, desde logo, a existência da superação da
contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação
dialógica [...] (FREIRE, 2004, p.68)”, não é possível a colaboração
entre educador e educando, não é possível conceber um educador-educando,
que se educa no diálogo com o outro, e um educando-educador.
Traz à cena a questão do “ato de
dissertar” realizado pelo educador, que constitui, e isto tanto dentro
como fora da escola e em qualquer nível de ensino, uma prática de
dominação, pois se disserta sobre a realidade como se fosse algo
estático e sem vida.
É por meio da dissertação, explica Paulo
Freire, que o “educador bancário” tenta “depositar”, “encher”, o
educando com conteúdos, os quais, comumente, não se relacionam com sua
vida, minimizando, e até mesmo anulando, seu potencial criativo,
criticidade e pensar autêntico. Ao memorizar o conteúdo narrado, ao
“arquivar” os “depósitos”, o educando não está se conhecendo e
conhecendo o mundo de modo verdadeiro, não está desenvolvendo sua
consciência crítica, daí Freire (2004, p.72) destaca que a educação
bancária “[...] servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda, que
não podendo matar a intencionalidade da consciência como um
desprender-se ao mundo, a ‘domestica’”.
Em oposição à educação bancária, o
educador-educando se compromete com um conteúdo programático que não
caracteriza doação ou imposição, “[...] um conjunto de informes a ser
depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada” (FREIRE, 2004. p. 83-84). Compromete-se com uma
programação, com conteúdos, que advêm das colocações do povo, de sua
existência, desafiando-o à busca de respostas, tanto em nível de
reflexão como de ação. Em outras palavras, uma prática libertadora,
requer que o “[...] acercamento às massas populares se faça, não para
levar-lhes uma mensagem ‘salvadora’, em forma de conteúdo a ser
depositado, mas, para em diálogo com elas, conhecer, não só a
objetividade em que estão, mas a consciência que tenham dessa
objetividade; [...] de si mesmos e do mundo” (FREIRE, 2004, p.86). Desse
modo, busca-se juntos, educador e povo, mediatizados pela realidade, o
conteúdo a ser estudado.
Acerca do operacionalizar a pedagogia de
uma perspectiva do oprimido, é preciso, segundo Paulo Freire,
investigar o universo temático do povo. Busca-se, inicialmente, conhecer
a área em que se vai trabalhar e se aproximar de seus indivíduos,
marcando reunião e presença ativa para coletar dados, de modo a levantar
os temas geradores. Estes devem ser organizados em círculos
concêntricos, partindo de uma abordagem mais geral até a mais
particular. Tal operacionalização demanda, ainda, e isso cabe ao
educador dialógico, devolver em forma de problema o universo temático
recebido do povo na investigação.
Efetivada essa etapa e com os dados em
mãos, realiza-se um estudo interdisciplinar sobre os “achados” nos
círculos de cultura, a partir dos quais os envolvidos apreendem o
conjunto de contradições que permeiam os temas. Cada envolvido na
investigação temática apresenta um projeto de um dado tema, o qual passa
por discussão e acolhe sugestões. Os projetos servem, posteriormente,
de subsídio à formação dos educadores-educando que trabalharão nos
círculos de cultura.
Após elaboração do programa, são
confeccionados materiais didáticos em forma de, por exemplo, textos,
filmes, fotos, entre outros. São preparadas, também, as codificações de
situações existenciais, as quais têm que ser decodificadas pelo educando
e promover o surgimento de uma nova percepção da questão tratada, como
também o desenvolvimento de um novo conhecimento.
Em retrospecto ao exposto, convém
sublinhar que se trata de uma obra que denuncia os limites de uma
educação de ajustamento, ao mesmo tempo em que anuncia a possibilidade
de uma educação humanizadora, “libertadora”, como diria o autor. Daí a
atualidade e relevância de sua leitura pelos educadores das várias áreas
do conhecimento, tanto os que estão em processo de formação acadêmica
como aqueles que já atuam e, também, demais interessados pelas
discussões do campo educacional.
Autor: Benício Passos