quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A legimidade do Estado e dos Governos


Legitimidade do Estado e dos Governos 
A Filosofia Política preocupa-se com a constituição, função e sentido do Estado e da sociedade. A Filosofia do Direito ocupa-se das Leis e Instituições ordenadoras da sociedade e em particular dos seus fundamentos.

Dois dos problemas centrais da reflexão da Filosofia Política consistem em responder às seguintes questões:
a ) Qual a Legitimidade do Estado e do Poder Político ?
b ) Quais os princípios estruturantes da sociedade que o Estado deve garantir ? 

1. Legitimidade
O Estado assenta numa relação de domínio de uns homens sobre outros. Uma relação apoiada pela violência considerada, em princípio, legitima quando exercida pelo Estado. Só o Estado tem o direito de coagir e obrigar os cidadãos a agir no respeito pela legalidade estabelecida. Possui o monopólio da violência física legitima. Para que um Estado exista é necessário que os dominados aceitem obedecer à autoridade que quem detêm o poder no Estado. 

Qual a razão porque os homens obedecem ? Porque razão reconhecem e aceitam este poder de uns sobre outros ? A resposta mais simples é porque acreditam que estes tem legitimidade para o exercer. A legitimidade ou justificação do poder assenta portanto de uma crença ou fundada convicção (interesse, necessidade, conveniência ) para que assim seja.

Ao longo da história muitas tem sido as teorias e justificações sobre a legitimidade do poder, Max Weber (A Política como Vocação) sintetizou as seguintes:

- Tradição. A legitimidade do poder é justificado através de costumes ancestrais, cujos detentores se afirmam herdeiros. O exemplo paradigmático são as antigas monarquias absolutas.

- Força. A legitimidade do poder é justificado pelo carisma, coragem, qualidades excepcionais ou pela devoção absoluta ao país de alguém que se afirma apto a dirigir uma sociedade. A maioria dos ditadores utilizou este tipo de justificações para se auto legitimar.    

- Legitimidade Democrática. A legitimidade assenta, neste caso, no respeito pelo Direito estabelecido, nomeadamente quando os cidadãos em liberdade escolheram os seus representantes (delegação de poder). É este tipo de legitimidade que vamos abordar, pois ele é próprio das nossas sociedades democráticas.  

As revoltas ou revoluções estão quase sempre ligadas à quebra da confiança das populações nos governos ou no Estado,  deixando-os de reconhecer como legitimo o poder que detêm.    

Os filósofos que vamos estudar - Aristóteles (384-322 a.C.), Thomas Hobbes (1588-1679), John Lock(1632-1704), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e John Rawls (1921-2002) e Habermas (1929) -, trouxeram contributos muito importantes para pensarmos esta questão.

2. Princípios
Quais os princípios que o Estado deve garantir ? Estes princípios procuram prevenir também a expansão totalitária dos Estados, isto é, o exercício incontrolado do seu poder. Na verdade, o poder que o Estado possui se é suficientemente forte para proteger os cidadãos tem igualmente um poder capaz de os oprimir e dispor arbitrariamente dos recursos coletivos para beneficiar apenas uma minoria. Os Estados modernos ocidentais nasceram da luta das populações contra as arbitrariedades dos Estados absolutos. Neste sentido, a história da liberdade do cidadão é uma história da restrição e do controlo do poder do Estado (Reinhold Zippelius, Teoria Geral do Estado). 

Desde o século XVIII que foram sendo consagrados três grandes princípios - Liberdade, Igualdade e Solidariedade  - que são hoje aceites como matrizes dos regimes democráticos: 

A Liberdade é um conceito com múltiplos significados. O célebre artigo IV da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Agosto de 1789), definia a Liberdade da seguinte forma: "A Liberdade consiste em poder fazer aquilo que não prejudica o outro". O Outro é visto como o limite à minha liberdade, mas igualmente como a sua garantia. Ao negar a sua liberdade, estou a negar a minha (princípio da reciprocidade).
A liberdade está hoje associada a um conjunto de direitos: de expressão, de reunião, de manifestação, de circulação, de propriedade, etc. 

- A Igualdade é, como dissemos,  um dos princípios centrais dos regimes democráticos. Uma das principais fontes de conflitos sociais reside nas suas profundas desigualdades que todos constatamos nas nossas sociedades.  Uma minoria tende historicamente a concentrar na sua posse toda a riqueza gerada, assim como a ter um tratamento privilegiado pelos diversos Estados. Se a existência de um certo grau de desigualdades tem sido justificado como essencial para estimular a criatividade dos indivíduos, ao permitir-lhes acumular os ganhos adquiridos pelas suas iniciativas, a verdade é que estas desigualdades podem não deixam de acentuar as tensões sociais. Se as mesmas forem muitos graves, a própria ordem social é posta em causa. A maioria da população sentindo-se lesada nas suas expectativas, acaba por provocar rupturas sociais (revoltas ou revoluções sociais).
A Igualdade está hoje associada a um conjunto de direitos: de representação, de dignidade, de equidade, etc

 - A Solidariedade é um princípio que resulta da consciência da nossa interdependência: Nenhuma sociedade pode subsistir se os seus membros se recusarem a contribuir para o Bem Comum.
A legitimidade de um Estado ou de um Governo estão hoje intimamente ligadas ao respeito destes valores. 

3. Novos Consensos 
No final do século XX emergiu, após um longo processo histórico, um novo critério para avaliar a legitimidade dos Estados e dos Governos: o respeito que têm pelos Direitos Universais do Homem. 
Um governo que não respeita os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos poderá ser considerado legitimo?.  O que é mais importante em termos de Direitos Fundamentais: a perspectiva nacional  ou a universal ?  A perspectiva universal tem-se vindo a impor sobre a nacional.
Estamos perante uma nova concepção de legitimidade que implica uma limitação da soberania nacional, que até finais do século XX era considerada um privilégio absoluto de cada Estado e que lhes permitia tratarem em cada país os cidadãos da forma como entendiam. 
Os Estados tem hoje que respeitar os Direitos Humanos, caso contrário são alvo de ações internacionais, como campanhas internacionais de denúncia que afectam profundamente a sua imagem no mundo, mas também as relações que mantém com outros Estados. 
Esta nova concepção está intimamente ligada às característica da sociedade planetária em que vivemos, onde se tornou cada vez mais difícil aos governos ocultar o que se passa no interior de cada país. A informação que passou a ser veiculada sobre os inúmeros casos de violação de Direitos Humanos que ocorrem em muitos Estados gerou uma nova sensibilidade na opinião pública mundial para estes problemas, estimulando um crescente consenso em torno da necessidade da defesa destes direitos universais. A rapidez na circulação da informação à escala planetária deram uma enorme força a ações de protesto e de denúncia destas violações, numa escala sem paralelo no passado.  
 Testemunho
"Há 50 anos a execução sumária de um punhado de revolucionários em qualquer longínquo país da Ásia ou da América do Sul não mereceria sequer as honras de uma notícia de duas linhas na imprensa mundial. Hoje o assunto ficaria em caixa alta nas primeiras páginas dos jornais do mundo ocidental, seria implacavelmente denunciado por todas as organizações de Direitos Humanos e, nos areópagos da O.N.U., o Governo responsável pelo crime seria alvo de críticas de todos os quadrantes e poderia mesmo sofrer sanções, que cada vez se vão tornando mais rigorosas". António Maria Pereira, Direitos Humanos, Lisboa, Pub. Dom Quixote.1979. 

A primazia dos Direitos Humanos sobre as soberanias nacionais, nas últimas décadas tem-se manifestado de diversas maneiras:

a) Convenções Internacionais. Desde aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), tem-se sucedido as convenções internacionais que consagram um conjunto de Direitos e valores supranacionais. O caminho não tem sido linear, mas mostra-se imparável. Um dos momento decisivos deste percurso foi a assinatura, em 1975, da Ata Final da Conferência de Helsínquia (1975), a qual estabelecia, no seu princípio nº.7, o dever que que incumbe a cada Estado respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos seus cidadãos. Muitas outras convenções tem sido estabelecidas na mesma linha de vincularem os Estados a compromissos internacionais neste domínio.  

b ) Propaganda Ideológica. A partir da década de 70 do século XX, os EUA, passaram a usar o valor universal dos Direitos Humanos como uma arma ideológica para atacarem certos Estados que alegadamente os violavam. Apesar do seu caráter oportunistico e muitas vezes hipócrita, a verdade é que muitos outros Estados passaram a usar esta arma ideológica para atacarem outros que os não cumprem, reforçando desta forma a força destes direitos e valores.  

b ) Intervenções militares internacionais. Muitas intervenções militares passaram a usar estes direitos, como justificação. Algumas ditaduras tem sido derrubadas sob o pretexto de que violavam os direitos humanos.

c ) Organizações Internacionais. Num esforço de institucionalizar esta nova concepção, tem surgido várias organizações internacionais destinadas a denunciar ou julgar todos aqueles que violam os direitos humanos. A última das grandes organizações neste domínio é o Tribunal Penal Internacional (TPI). O TPI foi criado em 1998 e tem por missão julgar todas as pessoas que tenham cometido crimes de genocídio, de guerra ou contra a humanidade, como  escravatura, discriminação racional (apartheid ), extermínio de pessoas, assassinatos, desaparecimentos forçados, torturas, sequestros, agressões e entre outras. O TPI tem a sua sede em Haia (Holanda).  

A legitimidade dos Estados e dos Governos, deixou assim de ser vista apenas à luz do Direito interno de cada país, para ser considerada num plano internacional com base em valores assumidos como universais


Nenhum comentário:

Postar um comentário