Gameleira, ____ de
_______________ de 2016.
Alunos:__________________________________________
____________________________________________
Série: 9º ___
Professora: Márcia Oliveira
da Silva
Exercício de Língua
Portuguesa
A CONQUISTA DO AMOR
IMPOSSÍVEL
Quando falamos em amor, sempre pensamos no amor à pessoa
amada, ou no amor a pais, irmãos, familiares e amigos. Mas pode o ser humano
apaixonar-se com a mesma intensidade por um objeto ou por um hábito? E o que
fazer quando esse sentimento é confrontado com
sentimentos como a crueldade e a perversidade?
Felicidade Clandestina
Clarice Lispector
Ela era gorda,
baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um
busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse,
enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que
qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de
livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de
pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da
loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos,
com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima
palavras como "data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Compreensão e Interpretação do texto
01. Os três primeiros
parágrafos formam a introdução do conto lido. Neles, são apresentadas as
características das personagens da história.
a) Quais são as personagens
principais da história? A narradora e a menina filha do
dono de livraria.
b) Como é feita a
caracterização das personagens: de modo superficial ou de modo aprofundado,
minucioso? De modo
minucioso
c) Que aspectos dessas
personagens são ressaltados? São ressaltados aspectos
físicos e psicológicos. Enquanto filha do dono de livraria era gorda, sardenta, cabelos excessivamente
crespos e arruivados e tinha bustos enormes, a narradora, como as outras
garotas, era bonitinha, esguia, altinha, de cabelos livres. A primeira não dava
valor aos livros; a segunda ansiava por eles.
02. Embora a filha do dono de
livraria não tivesse muitas qualidades, algo a fazia parecer superior aos olhos
da narradora. O que era? O fato do pai dela ser dono de
livraria, pois isso possibilitava a ela ter os livros que quisesse.
03. Observe estes trechos do
texto:
·
“Mas
que talento tinha para a crueldade.”
·
“Ela
toda era pura vingança.”
a) Por que, na opinião da
narradora, a outra menina tinha talento para a crueldade? Porque fazia questão de humilhar e só emprestava livros
depois que a pessoa implorasse bastante.
b) Qual é a explicação da
narradora para o ódio e o desejo de vingança da menina? De certa forma, a filha do dono de livraria achava-se inferior as outras meninas por elas serem
bonitas, terem cabelos lisos, serem magras, etc.
04. Releia este trecho:
“ Até que veio para ela o
magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente,
informou-me que possuía As reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato.”
a) O emprego da expressão como casualmente dá a entender que a
iniciativa da filha do dono de livraria foi uma ação casual ou planejada? Dá a entender que era tudo planejado, embora a menina
quisesse dar a impressão que tinha sido casual.
b) O que a menina
provavelmente imaginou a respeito da importância do livro para a narradora?
Justifique sua resposta. Que ela tinha muita
curiosidade pela obra de Monteiro Lobato, autor que fazia grande sucesso entre as
crianças no passado.
05. A posse do livro “As reinações de Narizinho” possibilitou
à menina exercer sobre a narradora uma “tortura chinesa”, num jogo infindável
de promessas e mentiras.
a) Que características da
menina e da narradora se observam nessa relação? A filha
do dono de livraria era uma pessoa sádica, má, perversa; a narradora era
persistente e resignada.
b) Que consequências físicas
resultam dessa tortura para a narradora? Olheiras,
cansaço
c) Explique: Por que a
narradora se submetia a esse jogo criado pela menina? Pela
esperança de obter o livro, porque a
leitura dela era, para ela , uma necessidade vital.
06. Um dia, a mãe descobre o
jogo que a menina vinha fazendo com a narradora.
a) O que parece ter chocado
mais a ne nessa descoberta? A constatação da
perversidade da filha, mais do que saber que a menina mentia.
b) O que a decisão da mãe
representou para a narradora? Representou a libertação,
pois ela pôde deixar de se submeter aos
caprichos da outra.
07. Sobre os elementos do
conto, responda:
a) Tipo de narrador e foco
narrativo: narrador personagem. Foco narrativo em
primeira pessoa.
b) Onde acontecem os fatos
narrados? Nas ruas do Recife, na frente da casa da
filha do dono de livraria e na casa da narradora.
c) Tipo de discurso: discurso indireto livre.
d) Variedade linguística
empregada: a
norma padrão formal
e) Protagonista: a narradora
f) Antagonista: a filha do dono de livraria
g) Tempo verbal predominante: pretérito perfeito e
pretérito imperfeito.
08. O que gerou o conflito na
narrativa? O fato da antagonista ter um livro que a
protagonista desejava muito ler.
09. Quando ocorre o clímax da
narrativa? Quando a mãe da dona do livro entra na
história, descobre a verdadeira personalidade da filha e modificando o rumo da
narrativa.
10. Por que a narradora fingia que não sabia onde tinha guardado o livro e depois “achava-o”? Porque isso aumentava o prazer dela de se ver com o livro nas mãos.
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