A borboleta e o caos
Existe uma frase que ficou famosa na
descrição das propriedades caóticas do clima: o bater das asas de uma borboleta
na África pode causar chuvas no Paraguai. Pelo menos, essa é uma entre milhares
de versões.
O importante não é realmente onde está a
borboleta ou onde vai chover, mas o fato que o minúsculo deslocamento de ar
causado pelo bater de suas asas pode causar efeitos na atmosfera turbulentos o
suficiente para serem sentidos a milhares de quilômetros de distância. Conheço
poucos exemplos de “globalização” melhores do que esse. Quando o assunto é
clima, o mundo é mesmo unido. A atmosfera não reconhece fronteiras.
Por trás da estranha relação entre a
borboleta e o clima está uma propriedade fundamental da física, a
não-linearidade. Quando um sistema é linear, um estímulo é respondido na mesma
intensidade, como no caso de uma criança empurrada em um balanço. Quanto mais
forte o empurrão, mais alto ela vai (isso só é verdade para pequenos ângulos).
Se o balanço fosse não-linear, um pequeno empurrão poderia catapultar a criança
em órbita. Meio dramático, mas é verdade.
O clima é regido por equações
não-lineares. Isso explica por que é tão difícil prevê-lo, especialmente por
muitos dias. Vários efeitos têm de ser computados, complicando as previsões.
Essa limitação é o grande embate das
simulações feitas em computadores para estudar o efeito estufa e suas
consequências climáticas. Segundo a maioria absoluta dos modelos, o aumento da
concentração de gases na atmosfera já está causando o seu aquecimento
gradativo.
A década de 1990 foi a mais quente dos
últimos 150 anos. A política de ambiente norte-americana é lamentável,
especialmente sabendo-se que em torno de 25% do gás carbônico do planeta é
produzido lá. Talvez seja necessária uma catástrofe nacional para que as coisas
mudem. Ela possivelmente já começou, ameaçando um dos símbolos ecológicos mais
importantes dos EUA, a borboleta monarca.
Levando em conta as maravilhosas borboletas que existem no Brasil – pelo
menos as que conseguiram escapar dos pratos com tampo de vidro vendidos para
turistas e exportados para o mundo inteiro (quando esse absurdo será proibido?)
– a monarca nem é tão especial. O que a torna fascinante é o fato de ela ser
uma espécie migratória.
Centenas de milhões de borboletas
escapam do inverno nos EUA indo para o México. A migração é dividida pelas
montanhas Rochosas, a cordilheira que corta a América do Norte como uma espinha
dorsal. As monarcas que vão para o México são as que estão do lado leste das
Rochosas. As que estão do lado oeste vão para o sul da Califórnia.
Ver milhares de borboletas voando é um
espetáculo inesquecível. Às vezes, elas obscurecem o céu. É incrível imaginar
que criaturas tão frágeis, pesando meio grama, sejam capazes de voar por
milhares de quilômetros. Não só isso, elas sabem, todos os anos, exatamente
para onde ir, sempre retornando aos mesmos lugares.
Um ano significa quatro gerações de
monarcas. De alguma forma, a tradição é transmitida de geração a geração. Na
ausência de mapas, talvez as borboletas usem algum outro mecanismo de
navegação. O biólogo Fred Urquhart sugeriu que elas seguem a difusão em direção
ao sudoeste de sua comida favorita, o soro leitoso secretado por certas
plantas, incluindo a soja. Ninguém sabe ao certo.
Estudos climáticos mostram que o efeito
estufa está ameaçando os nichos ecológicos mexicanos para onde migram as
monarcas do leste. Modelos preveem que, se nada for feito para controlar a
emissão de gases durante as próximas décadas, e se a temperatura global
continuar a subir, instabilidades climáticas vão causar um aumento na
precipitação (chuva e até neve) nessas regiões muito além da tolerância das
frágeis borboletas.
A situação piora ainda mais com o
desflorestamento que já ocorre na região. Alguns especialistas acham que as
borboletas vão encontrar outros lugares para passar o inverno, talvez mais ao
sul, mas isso é apostar no desconhecido. Infelizmente, nós somos uma espécie
que só sabe reagir quando não tem outra saída. Só espero que não sejam as
pobres borboletas a pagar pela nossa estupidez.
(Marcelo
Gleiser, Folha de S. Paulo, 30/11/2003.)
01. É comum os textos de divulgação científica fazerem uso de
conceitos e de terminologia científica básicos. Identifique no texto lido
conceitos, palavras ou expressões próprios da ciência e as áreas científicas a
que eles dizem respeito.
02. . O texto lido foi publicado num caderno de ciência de um
jornal de grande circulação. Considerando a linguagem e a forma como o assunto
foi conduzido pelo autor, conclua: O texto foi escrito para leitores que também
são cientistas ou para um público amplo e heterogêneo com conhecimentos mínimos
de ciência? Por quê?
03. Os textos de divulgação científica têm compromisso com a
transmissão de saberes; portanto, trata-se de um gênero que reúne algumas das
características dos gêneros que circulam na escola, como o texto didático e o
verbete de enciclopédia. Identifique no 3º parágrafo do texto lido um trecho
que tenha uma clara intenção didática.
04. A estrutura de um texto de divulgação científica não é
rígida, pois depende do assunto e de outros fatores da situação de produção,
como: quem produz o texto, para quem, com que finalidade, em que veículo, em
que momento histórico, etc. Apesar disso, o autor geralmente apresenta no
primeiro ou no segundo parágrafo a ideia principal (uma afirmação, um
conceito), e desenvolve nos parágrafos seguintes, por meio de exemplos e
comparações, resultados objetivos de experiência, dados estatísticos, relações
de causa e efeito, etc.
a) Identifique no 2º parágrafo duas frases que sintetizam a
ideia principal desenvolvida pelo texto.
b) A citação inicial de que “o bater das asas de uma borboleta
na África pode causar chuvas no Paraguai” ilustra a ideia principal do texto?
Por quê?
05. No 3º, no 4º e no 5º parágrafos, o autor procura explicar
a complexa relação existente entre o efeito estufa e o clima. Segundo ele, o
“clima é regido por equações não-lineares”. Com base nas informações veiculadas
pelo texto, conclua:
a) O que é efeito estufa?
b) Por que a não-linearidade do clima dificulta os estudos
sobre o efeito estufa?
06. A partir do 6º parágrafo, o autor usa o exemplo das
borboletas monarcas para ilustrar a ideia principal do texto.
a) Que comportamento das borboletas ocorre todos os anos?
b) Que consequências do efeito estuda, produzido em grande
parte pela emissão do gás carbônico nos Estados Unidos, pode afetar o
comportamento das borboletas monarcas?
c) ) Esse fato ilustra as frases “Quando o assunto é clima, o
mundo é mesmo unido. A atmosfera não conhece fronteiras” e o “bater das asas de
uma borboleta na África pode causar chuvas no Paraguai”? Justifique sua
resposta
07. Apesar de a finalidade principal dos textos de divulgação
ser a transmissão de um conhecimento científico, às vezes o autor pode defender
um ponto de vista. O último e o penúltimo parágrafos do texto lido, por
exemplo, embora ainda tratem das borboletas monarcas, retomam o tema central e
apresentam um posicionamento claro do autor sobre o problema do meio ambiente.
a) Que frases do último parágrafo resumem esse posicionamento?
08. Nos textos de divulgação científica geralmente predomina a
impessoalidade, isto é, o autor aborda o tema sem fazer referências diretas a
si mesmo, o que o leva a evitar o uso de formas linguísticas e gramaticais como
eu acho, na minha opinião, etc. Na prática, porém, nem sempre isso
acontece.
a) Identifique, no texto lido, uma marca linguística que
evidencia gramaticalmente a pessoa do autor.
b) Identifique situações que evidenciam um posicionamento
pessoal do autor diante do tema abordado.
c) O posicionamento do autor revela uma intenção da parte
dele. Qual é essa intenção?
09. De
acordo com a estrutura do texto apresentado, ele pode ser classificado como um
(a) resumo.
(b) conto
fantástico.
(c)
relatório de experiências.
(d) texto de
divulgação científica.
(e) relato
de experiência pessoal.
10. Com base
no texto do lido, informe o que expressa a finalidade desse gênero textual.
a)
Transmitir conhecimentos; expor um conteúdo de natureza científica.
b) Descrever
ações; ensinar como se faz alguma coisa.
c) Narrar
uma história ficcional.
d) Relatar
experiências pessoais.
11. O texto
se inicia com uma citação a respeito de borboletas e de certo ponto em diante
passa
a tratar das
borboletas americanas conhecidas como monarcas.
Contudo, o assunto central do
texto é:
(a) os
problemas causados pela globalização.
(b) a
explicação da propriedade da não-linearidade.
(c) a
comparação entre as maravilhosas borboletas que existem no Brasil e as
monarcas.
(d) a
relação existente entre o bater das asas de uma borboleta na África poder
causar chuva no
Paraguai.
(e) o efeito estufa e as
alterações do clima como resultados do desequilíbrio no meio ambiente.
12.
Considerando a linguagem do texto, assinale a opção INCORRETA.
(a) Foi
empregada a variedade padrão da língua, porém sem excessos de formalidade.
(b) Foram
empregadas formas verbais predominantemente no Presente do Indicativo.
(c) A
linguagem empregada é compatível com o nível cultural dos leitores do jornal e
com a
natureza do
assunto tratado.
(d) No texto,
predomina a impessoalidade, sem marcas linguísticas que evidenciam
gramaticalmente
a pessoa do autor.
(e) O texto
apresenta conceitos, palavras ou expressões próprios a algumas áreas
científicas,
como, por exemplo, física,
química e biologia.
13. Assinale
a opção em que o trecho apresente uma clara intenção didática.
(a) “Estudos
climáticos mostram que o efeito estufa está ameaçando os nichos ecológicos
mexicanos
para onde migram as monarcas do leste.”
(b) “O clima
é regido por equações não-lineares. Isso explica por que é tão difícil
prevê-lo,
especialmente
por muitos dias. Vários efeitos têm de ser computados, complicando as
previsões.”
(c) “...
como no caso de uma criança empurrada em um balanço. Quanto mais forte o
empurrão,
mais alto
ela vai (isso só é verdade para pequenos ângulos). Se o balanço fosse
não-linear,
um pequeno
empurrão poderia catapultar a criança em órbita.”
(d) “Um ano
significa quatro gerações de monarcas. De alguma forma, a tradição é
transmitida de
geração a
geração. Na ausência de mapas, talvez as borboletas usem algum outro
mecanismo de
navegação.”
(e) “A
situação piora ainda mais com o desflorestamento que já ocorre na região.
Alguns
especialistas
acham que as borboletas vão encontrar outros lugares para passar o inverno,
talvez mais ao sul, mas isso é
apostar no desconhecido.”
14. Assinale
a opção em que o comentário tenha sido feito corretamente.
(A) Em
“Quanto mais forte o empurrão, mais alto ela vai
...”, o pronome destacado refere-se à
borboleta.
(B) O
pronome destacado em “Ela possivelmente
já começou, ...” retoma a expressão “uma
catástrofe
nacional”.
(C) O
pronome destacado em “Isso explica por
que é tão difícil prevê-lo, ...” faz referência a algo
(D) Em “A
situação piora ainda mais com o desflorestamento que já ocorre na
região.”, o termo
destacado
faz referência ao Brasil.
(E) O termo
destacado em “... a emissão de gases durante as próximas
décadas, ...” diz respeito
ao período que vai de 1990 a 2010.
15. Em “O
biólogo Fred Urquhart sugeriu que elas seguem a difusão em direção ao sudoeste
de
sua comida
favorita, ...”, pode-se afirmar que foi empregado o discurso
(A) direto.
(B)
indireto.
(C) indireto
livre.
(D) direto,
com marcas do indireto.
(E) indireto, com marcas do
direto.
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