GENTE É BICHO E BICHO É GENTE
Querido Diário, não tenho
mais dúvida de que este mundo está virado ao avesso! Fui ontem à cidade com
minha mãe e você não faz idéia do que eu vi. Uma coisa
horrível,horripilante,escabrosa, assustadora, triste, estranha, diferente,
desumana... E eu fiquei chateada.
Eu vi um homem, um ser
humano, igual a nós, remexendo na lata de lixo. E sabe o que ele estava
procurando? Ele buscava, no lixo, restos de alimento. Ele procurava comida!
Querido Diário, como
pode isso? Alguém revirando uma lata cheia de coisas imundas e retirar dela
algo para comer? Pois foi assim mesmo, do jeitinho que estou contando. Ele
colocou num saco de plástico enorme um montão de comida que um restaurante
havia jogado fora. Aarghh!!! Devia estar horrível!
Mas o homem parecia
bastante satisfeito por ter encontrado aqueles restos. Na mesma hora, querido
Diário, olhei assustadíssima para a mamãe. Ela compreendeu o meu assombro.
Virei para ela e perguntei: “Mãe, aquele homem vai comer aquilo?” Mamãe fez um
“sim” com a cabeça e, em seguida, continuou: “Viu, entende por que eu fico
brava quando você reclama da comida?”.
É verdade! Muitas
vezes, eu me recuso a comer chuchu, quiabo, abobrinha e moranga. E larguei no
prato, duas vezes, um montão de repolho, que eu odeio! Puxa vida! Eu me senti
muito envergonhada!
Vendo aquela cena,
ainda me lembrei do Pó, nosso cachorro. Nem ele come uma comida igual àquela
que o homem buscou do lixo. Engraçado, querido Diário, o nosso cão vive bem
melhor do que aquele homem. Tem alguma coisa errada nessa história, você não
acha?
Como pode um ser humano
comer comida do lixo e o meu cachorro comer comida limpinha? Como pode, querido
Diário, bicho tratado como gente e gente vivendo como bicho? Naquela noite eu
rezei, pedindo que Deus conserte logo este mundo. Ele nunca falha. E jamais
deixa de atender os meus pedidos. Só assim, eu consegui adormecer um pouquinho
mais feliz.
(OLIVEIRA, Pedro
Antônio. Gente é bicho e bicho é gente. Diário da Tarde. Belo Horizonte, 16
out. 1999).
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