UM RELATO PESSOAL
A vida é algo
"complicado" de se viver. É preciso ter "boa vontade" ou
nunca se sairá da "estaca zero". Eu sou uma pessoa que costumava
dizer que não aprendia com os erros alheios, gosto de cair, sentir a dor, para
poder me levantar mais forte. Mas a vida acabou querendo me ensinar sem
precisar cair. Não foi uma maneira fácil de aprender, mas digamos que foi
valiosa.
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Cresci rodeada de pessoas
ganaciosas, daquelas que vivem para o dinheiro, para juntar, obter propriedades
e joias. A minha avó era assim. Passou a vida inteira vivendo para o trabalho e
para o dinheiro que recebia. Dizia que, ao se aposentar, aí sim, aproveitaria a
vida. Mas ela não sabia que a vida também é traiçoira, e a sua aposentadoria
acabou sendo forçada devido a um câncer. E o câncer acabou tomando-lhe os três
últimos anos de sua vida e, ao invés de aproveitar a aposentadoria
"vivendo", "aproveitou" lutando pela vida.
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Não foi fácil ver aquela mulher
tão forte, sempre tão decida desistindo de viver. Não foi fácil ouví-la pedir a
Deus que trocasse a sua vida pela de seu neto, que também estava doente. Não
foi fácil vê-la morrer com o passar dos dias, mas confesso que foi uma
verdadeira lição que levarei por toda minha existência.
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Nos dias que passou no hospital, poucas
foram as visitas que recebeu, e isso se deu, por nunca ter procurado e nem
cativado amigos. Os "amigos" que tinha eram apenas ligados a algum
interesse. Não sabia o que era amizade, o que era a mão de um amigo ou um ombro
acolhedor. Nunca fora de 'sair com as amigas', preferia ficar em casa, assistindo
a novela.
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Joias? Ela tinha demais.
Inúmeras. Joias que nem sequer lembrava a existência, mas as tinha, e isso a
fazia sentir-se bem. O seu guarda-roupas era enorme e cheio dos mais variados
modelos, mas as roupas que usava eram sempre as mesmas, as que ficavam em uma
pequena parte daquela imensidão. Os produtos de beleza também eram em grandes
quantidades. Alguns com a data de validade vencida a anos e que sequer foram
abertos. Coisas ela tinha, muitas, mas parece que ela não sabia ser e nem
viver.
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Quando morreu, não teve
oportunidade nem de escolher a última roupa, a minha mãe o fez. O sapato
também. Lembro perfeitamente daquela roupa verde, sempre usada em ocasiões
especiais. E por falar nisso, ainda hoje me pergunto se aquela foi ou não uma
ocasião especial. Mas penso que sim, ela jamais gostaria de ser enterrada com
algo 'simples'.
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Não gosto de me aproximar do
caixão, nunca gostei. Quero sempre levar boas lembranças dos que se foram.
Lembrar de seus sorrisos, suas piadas e naquela vez não foi diferente. Não me
aproximei, mas não consegui não observar de longe.
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Lá estava ela, deitada, sem nem
saber quem a olhava. Reparei que não estava com nenhuma joia. Nenhuma.
Inclusive a sua aliança. Não a deixaram levar nem a aliança! Quiseram prendê-la
aqui, para ficar 'jogada', sem dona. Nenhuma outra das suas tantas jóias foram
com ela. As suas propriedades, aquelas que lutou tanto para obter, ficaram por
aqui, também sem dono e sem seus cuidados.
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E foi ali, naquele momento,
quando o caixão estava sendo abaixado para dentro da terra, que pude perceber o
quanto perdemos da vida. O quanto a deixamos de valorizar. Perdemos tempo
querendo, tendo, e esquecemos de ser quem verdadeiramente somos. De valorizar
quem precisa de valor. Valor esse que deve ser dado as pessoas, e não as
coisas. Não adianta valorizar coisas, pois elas jamais se sentirão valorizadas.
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Quando fazemos um sacrifício por
alguém, não fazemos para sermos 'vangloriados', mas sim por querermos, por nos
sentirmos bem desta forma. Mas sabe, é sempre bom ser valorizado por aquilo que
se faz. E não é preciso que seja dito com palavras, mas ao menos com ações.
Valorizar as pessoas, o que elas são e o que fazem, estreita os relacionamentos
e torna as pessoas mais próximas. Mas, por algum motivo, tenho notado que não
há interesse em aproximação.
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As pessoas tornaram-se cada vez
mais egoístas. Só querem ter. Só querem para si. E esquecem-se que nada levarão
dessa vida. Naquele buraco, em baixo a sete palmos da terra, não cabe mais
nada, apenas você (ou nem você, só o seu corpo) e o seu caixão (aquele que você
também não poderá escolher).
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E é por isso que resolvei
escrever, para botar pra fora algo que a muito aprendi e que não acho que deva
ficar guardado comigo.
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Texto retirado do http://botandopra-fora.blogspot.com.br
- Qual é o assunto do texto?
- Em que pessoa o texto é narrado?
- Caracterize a avó da narradora, de acordo com a opinião dela, que relata o fato.
- Que tipo de linguagem apresenta o texto?
- Retire do texto trechos que apresentam a opinião da neta em relação à sua avó ou um fato que é narrado.
O texto acima é chamado de RELATO PESSOAL. A função do relato
pessoal é registrar as experiências pessoais no intento de que estas possam
servir como fonte de consulta ou aprendizado para outras pessoas.
Ele apresenta elementos básicos da
narrativa: sequência de fatos, personagem, tempo e espaço; é narrado em primeira pessoa e os verbos
geralmente apresentam-se no pretérito (por se tratar de um fato passado); narra
um episódio marcante da vida pessoal; o narrador é protagonista; presença trechos descritivos e,
eventualmente, de diálogos; a linguagem empregada é compatível com os
interlocutores, sendo normalmente culta.
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